Olha que gracinha a Ritoca escreveu pra mim:

"da vontade de me recolher"

aos que me amam eu justifico as constantes negativas: quero ficar o bastante em casa. compreendam e me queiram, assim mesmo, na minha inegável vontade de me recolher. depois das cansativas horas na rua quero abrir a porta e, definitivamente, custar a abri-la novamente. quero estar envolto, como num manto de chantilly, pela paz acolhedora e insubstituível do lar. pros que pensam que isso é tristeza, engano. estar assim, encolhido e escondido, é quase aventurar-me na alegria estonteante de uma montanha russa ou na euforia populesca de um hit da grande e loura donna.

quero ficar em casa. necessito sentir o cheiro dos lençóis e usar, com tempo e folga, o sofá do meu reduto televisivo e o reinado do meu banheiro. quero tomar café acompanhado por elegante brôa airosa, pela manhã e à tarde, ou quantas vezes me convier. quero me refastelar... quero acordar tarde e depois de olhar as horas ver que o sol, a pino, nem sempre tem a ver com labuta, e voltar, como um doce vagabundo, para o simples do nada fazer. quero até ouvir o barulho que lá de fora emana, pois que a oração gritada da multidão me lembra que estou cá dentro, e, assim, espiritualmente bento. quero mesmo nela ficar, pois que a minha mais terna e calma companhia nela também está. e, mesmo estando sozinho, naquela solidão gostosa e irresistível, sei que daí a minutos, ou no máximo horas, alguém voltará pelo mesmo caminho.

quero às vezes até sair - às vezes - mas só quando eu quiser. o desejo é primordial nesses casos raros. corro os pés lá fora, claro, vejo o acender e o apagar das luzes, encontro amigos, faço de tudo, percebo o mundo e volto, ah... retorno sempre e alegremente. e de novo me aconchego, no dia-a-dia e no leito, por horas ou por todo o final de semana.

aos que me amam eu então deixo um recado (na porta da geladeira): quero ficar o bastante em casa. pros que pensam que isso é tristeza, de novo um engano. isso é puro prazer de me recolher.

(Texto de Rita Lopes)